26.3.2024

Temos uma visão muito além da natureza em comparação com os não indígenas, afirma o biólogo Fabrício Suruí

Indígena, Suruí criou o primeiro guia de primatas das terras do povo Paiter Suruí e acredita que a união entre o saber indígena e o científico pode ser muito útil

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Sabrina Brito
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O indígena Fabrício Suruí em frente a uma paisagem verde
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Acervo pessoal/ divulgação
Fabrício Suruí é o primeiro etnoprimatologista indígena do Brasil

Fabrício Suruí é um biólogo indígena. Possui bacharelado e licenciatura em ciências biológicas pela Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal, em Rondônia. Conta com experiência em conservação in situ de espécies de primatas amazônicos.

Fabrício é responsável pela criação do primeiro guia de primatas que vivem na Terra Indígena Sete de Setembro, pertencente ao povo Paiter Suruí, entre o Mato Grosso e Rondônia. No catálogo, traz os nomes dos primatas em tupi-mondé, além de apresentar a forma como esses animais se ligam aos indígenas, procurando agregar a ciência tradicional ao conhecimento antigo detido pelos povos originários.

É o primeiro etnoprimatologista indígena do Brasil, associando primatologia e antropologia e estudando as interações entre os primatas não humanos, os seres humanos e a relação entre ambos do ponto de vista de um indígena.

Leia, a seguir, a entrevista completa com Fabrício Suruí.

Como é ser um biólogo indígena no Brasil? É uma pergunta interessante. Quando eu concluí o ensino médio, em 2012, sabia que queria ser biólogo. Avistava os animais em torno da nossa comunidade e queria entendê-los. Em 2016, quando concluí a minha graduação, comecei a compreender a diversidade de tudo que há nas nossas terras. Percebi como as espécies são vulneráveis à ação humana também. Por isso, busco trabalhar com a conservação. Nossos territórios indígenas são limitados por seu entorno, muitas vezes por atividades que confrontam a nossa diversidade. Busco entender como os conhecimentos indígenas contribuem com o momento e estado atual das coisas. Quero conscientizar a população indígena no nosso território também.

Qual a importância da criação do guia de primatas? A ideia surgiu a partir da minha dissertação de mestrado. Quis fazer esse material e distribuí-lo em escolas e para algumas comunidades. Isso porque quero que a juventude Paiter tenha conhecimento da diversidade de primatas que ocorre dentro da nossa terra. Aliei conhecimento científico e conhecimento indígena, coletando dados a partir de entrevistas com pessoas mais velhas, que sabem muito sobre a diversidade do local onde vivem. Por meio dessa metodologia, elaborei o guia. Assim, a nova geração terá acesso a essas informações. A ideia era valorizar e registrar o conhecimento do nosso povo.

É importante que indígenas tenham conhecimentos de biologia e da natureza? Acredito que os povos indígenas, sobretudo em suas gerações mais novas, precisam rever as atitudes que tomam em relação à diversidade em seu território. Entendo, enquanto indígena, que se quer produzir dentro das terras indígenas, consequência da integração com a sociedade não indígena. Diante disso, nós, biólogos, precisamos trazer informações sobre como espécies podem ser extintas a partir da degradação ambiental. Precisamos trazer o conhecimento para elaborar estratégias úteis para as populações. É necessário trabalhar com o conhecimento tradicional. O conhecimento da biologia é extremamente importante para podermos manter a nossa cultura e o nosso território.

O que é etnoprimatologia? É um campo interdisciplinar que junta a antropologia com o estudo de primatas não humanos. Buscamos entender a relação entre esses primatas e o ser humano no espaço natural que essas espécies compartilham. Buscamos entender a relação de um povo com um grupo de primatas; quais conhecimentos esse povo tem, por exemplo.

Um indígena e um não indígena veem a biologia e a natureza da mesma forma? Acredito que não. Trago isso da minha experiência. Os povos indígenas têm uma relação intrínseca, íntima, com a natureza. É uma conexão, construída a partir de mitologias; uma cultura, uma visão histórica, uma crença acerca de certos animais e da floresta. Temos uma visão muito além em comparação com uma pessoa não indígena. Mas, a partir do momento em que começamos a estudar biologia, passamos a ver a natureza como ela é. Isso aproxima essas duas visões. A ciência procura o que a natureza é, mas nós, indígenas, vamos e vemos muito além disso. 

Qual a relação entre a sabedoria dos povos indígenas e a ciência mais tradicional? A relação é muito próxima na atualidade, embora ainda haja diferenças. Nós, indígenas, temos uma conexão espiritual detalhada com cada espécie com que convivemos. Temos muito conhecimento detalhado sobre algumas espécies, também. A união entre esses dois saberes – o tradicional e o científico – é essencial para buscarmos a conservação. A ciência tradicional se refere a conhecimentos técnicos específicos, enquanto a visão indígena é mais ampla e aberta. Unindo esses saberes, poderemos fortalecer a ciência, o que pode ser muito útil para seu desenvolvimento no mundo em que vivemos. 

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Sabrina Brito
Sabrina Brito
Jornalista formada pela ECA-USP e graduanda em Direito pela PUC-SP
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