18.3.2024

Biodiversidade no balanço: como as empresas medem o impacto além do carbono

Após décadas de discussões para a criação do mercado regulado de carbono, novo fator ambiental passa a ser monitorado e contabilizado no setor privado

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Sabrina Brito
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Nos últimos anos, cada vez mais empresas têm se atentado ao fator ambiental. Seja como forma de atrair o público com o discurso ambientalista, seja devido a preocupações genuínas com o meio ambiente, parte das indústrias e corporações calcula as emissões de gases de efeito estufa, mede a pegada de carbono e compensa os danos que causa à natureza. Agora, um novo fator ambiental entrou na equação: a perda de biodiversidade, ou seja, a redução da variedade de seres vivos existentes no planeta.

Diversos estudos apontam a perda da biodiversidade como a próxima grande crise ambiental. É o caso do relatório publicado em maio de 2022 pela abrdn, empresa de investimento global e gestora de ativos. Segundo o documento, existem alguns fatores que tornam a ameaça especialmente preocupante. 

Por exemplo: 75% das colheitas globais dependem de animais para polinização; 70% dos remédios para câncer são inspirados pela natureza; mais de 50% das emissões de carbono de responsabilidade do homem são sequestradas por ecossistemas marinhos e terrestres. 

Para a economista e professora da Escola de Negócios da PUC-Rio, Ruth Espinola de Mello, “cada vez mais, as empresas têm registrado seus impactos na biodiversidade, além de trazerem informações sobre suas metas de neutralidade em carbono”.

“Nesse contexto, o reconhecimento dos riscos associados aos danos à natureza tem sido uma tendência nos relatórios e balanços empresariais. A preocupação em quantificar e contabilizar os ativos naturais em balanços patrimoniais aumentou,” completou.

Desafio global

Apenas em 2018, uma área florestal do tamanho do Reino Unido foi destruída. Entre 1970 e 2018, pesquisas apontam para uma média de 69% de queda de populações selvagens, com mamíferos, pássaros, répteis, anfíbios e peixes sob enorme risco. Não à toa, em 2022, um relatório do Fórum Econômico Mundial colocou a perda de biodiversidade em terceiro lugar entre os maiores riscos existentes. 

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o cenário exige um aumento drástico no financiamento. Segundo o programa, são necessários 824 bilhões de dólares anuais para sustentar a biodiversidade, sendo que, atualmente, apenas 142 bilhões de dólares são direcionados à conservação – equivalente a 0,1% do PIB global. “É imperativo que façamos mais”, diz o Pnud.

Para a coordenadora de Mitigação na WayCarbon, Caroline Botta, o conhecimento acumulado com as medições de emissões de carbono pode ser um precedente interessante. “A experiência com os créditos de carbono oferece lições valiosas para a medição do impacto da biodiversidade. É importante evitar os erros do passado, como a falta de padronização e a fragmentação do mercado”, argumentou.

Um dos possíveis problemas é a dificuldade de medir impactos. Quando o assunto é clima, os indicadores podem ser reduzidos à produção de toneladas de gás carbônico pela qual determinada indústria é responsável. 

No caso da biodiversidade, há muitos indicadores possíveis. A Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza, iniciativa global criada em 2021 e apoiada por mais de 40 membros do mercado, identificou mais de 3.000 possíveis marcadores, elegendo, ao final, 14 métricas.

Para a professora titular do departamento de contabilidade da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Maísa Ribeiro, a importância de incluir a biodiversidade no balanço das empresas tem a ver, também, com transparência e prosperidade.

“Os interessados na continuidade das organizações devem ter informações completas sobre o negócio a que estão vinculados para embasar melhor suas decisões. Se não for assim, podem financiar maus comportamentos, além de perder recursos aportados à companhia, seja como investidores ou credores”, disse. 

Potencial nacional

O Brasil, que abriga entre 15% e 20% da diversidade biológica e 70% das espécies animais e vegetais catalogadas do mundo, tem lugar de destaque nessa discussão. Muitas das espécies existentes no país são consideradas elementos-chave para a conservação da natureza. 

Por isso, a professora titular da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Sônia Maria da Silva Gomes, acredita que "empresas listadas em bolsa, situadas nestes biomas e que possuem atividades de uso intensivo de solo devem avaliar os seus processos de gestão, monitoramento e reporte das mudanças climáticas e da biodiversidade e suas interações, como a segurança hídrica, impactos em comunidades tradicionais e povos originários, entre outras interferências a depender do modelo de negócio”.

Além da preocupação com o meio ambiente, o setor privado está atento às demandas dos consumidores, que são cada vez mais conscientes com relação à origem dos produtos. De acordo com a coordenadora de práticas empresariais e políticas públicas em clima e meio ambiente do Instituto Ethos, Marina Esteves, é crescente o aumento de consumidores e produtores de alimentos e substâncias da sociobiodiversidade, fato que estimulou a procura por produtos que dependem da floresta em pé.

“A preservação e o manejo da biodiversidade brasileira se consolidam como nova oportunidade de nicho de mercado, despertando o interesse e a imaginação dos consumidores sobre a diversidade dos produtos florestais”, disse Esteves.

De uma forma ou de outra, os novos tempos exigem uma atitude diferente no que diz respeito à forma como as empresas tratam a biodiversidade. Ao que tudo indica, ela será abordada da mesma maneira que as emissões de carbono foram tratadas há poucas décadas, assumindo protagonismo dentro das corporações. 

“A integração da biodiversidade no balanço é um processo gradual que requer o engajamento de toda a empresa. É importante começar com os passos mais simples e progredir gradualmente, buscando sempre a melhoria contínua”, conclui Botta, da WayCarbon.

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Sabrina Brito
Sabrina Brito
Jornalista formada pela ECA-USP e graduanda em Direito pela PUC-SP
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