9.11.2023

Caso da tirolesa no Pão de Açúcar expõe complexidade do ecoturismo no Brasil

Ao mesmo tempo em que atividades ao ar livre movimentam a economia, o turismo de natureza precisa promover a conservação ambiental

Escrito por
Luana Neves
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Imagem de um teleférico subindo uma montanha.
Foto:
Bruna Prado/ MTUR
Bondinho do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

Uma das maiores atrações da cidade do Rio de Janeiro, o Bondinho Pão de Açúcar está no meio de um imbróglio jurídico. A empresa Caminho Aéreo Pão de Açúcar, responsável pelo teleférico, busca na justiça a liberação para construir uma tirolesa de 755 metros de extensão que pretende ligar os morros da Urca e do Pão de Açúcar. 

O caso, no entanto, faz com que um dos principais cartões-postais da cidade corra o risco de perder o título de Patrimônio Mundial concedido pela Unesco em 2012 – a cidade foi a primeira no mundo a receber um tombamento em área urbana. 

Em 2020, a companhia protocolou um anteprojeto no Iphan para a construção de quatro cabos de aço ligando os montes rochosos em paralelo com o bondinho. A ideia é que os visitantes possam descer o trajeto a uma velocidade de até 100 quilômetros por hora durante quase um minuto. 

O caso ganhou força em janeiro deste ano quando uma mancha branca apareceu na rocha do Pão de Açúcar: era pó de pedra. O líquido escorreu após a empresa fazer perfurações na parede rochosa para instalar os cabos da tirolesa. Entre idas e vindas, o caso chegou ao Ministério Público Federal (MPF), que pediu a paralisação da obra em junho. 

O conjunto de morros da Urca e do Pão de Açúcar, local planejado para a realização do projeto, contém resquícios de Mata Atlântica com espécies ameaçadas de extinção. Pelo status de Patrimônio Mundial, ele não poderia sofrer grandes alterações em sua estrutura. 

No entanto, segundo o MPF, os cortes feitos em ambos os morros retiraram 50 metros cúbicos de rocha do Pão de Açúcar e 78 metros cúbicos do Morro da Urca, o equivalente a 127 caixas d’água com capacidade para 1.000 litros cada. 

Setor em crescimento

Nos últimos anos, o ecoturismo ganhou destaque no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as atividades do setor de turismo foram as principais responsáveis pelo aumento de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. 

De acordo com dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em 2021 foi contabilizado o total de 16,7 milhões de visitas em parques do ICMBio, quantidade superada em 2022, com mais de 21,6 milhões de visitações. O número é ainda mais impactante quando comparado com o ano de 2019, que recebeu 15,3 milhões de pessoas nas unidades de conservação.

Contudo, a atividade precisa se desenvolver com os devidos cuidados. De forma geral, a gerente de sustentabilidade do Grupo Cataratas, Talita Uzeda, explica que a licença prévia é essencial para começar um novo projeto. 

“É um acordo com o órgão ambiental de viabilidade daquele empreendimento. Ele indica se haverá supressão vegetal, como acontecerá a captação de água e detalha as características do terreno, por exemplo”, disse. O processo não acaba por aí. Depois da licença prévia, a empresa deve pensar em como funcionará a instalação da obra e os possíveis impactos decorrentes das fases seguintes. 

Importância educacional

No caso do Pão de Açúcar, o parque tem um histórico de programas de contato com o meio ambiente. Contudo, nem todas as atividades que promovem a interação com a natureza devem ser vistas como ecoturismo, alerta o professor do departamento de Turismo e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Tiago Juliano.

Para o professor, atividades de aventura podem estar associadas a esse setor do turismo, mas devem ter um papel educativo. “O ecoturismo pressupõe uma viagem orientada por práticas de educação ambiental, pelo comprometimento com a preservação e a conservação da natureza e pela preocupação com as comunidades envolvidas”, disse.

Além disso, ele questiona: “como a tirolesa teria um caráter educativo? Como ela contribuiria para os objetivos conservacionistas? E quais vínculos ela promove com as comunidades da cidade?”.

A empresa ainda não informou se a tirolesa terá um acompanhamento educativo. Caso seja proposto, não será a primeira iniciativa de educação ambiental. Desde 2015, o parque trabalha com um programa que recebe alunos de escolas públicas e particulares para visitarem o morro do Pão de Açúcar com o acompanhamento de educadores ambientais, chamado de Educa Bondinho. Até agora, mais de 30.000 estudantes e professores participaram da iniciativa.

“O ecoturismo deveria ser a nossa principal atividade de geração de emprego, renda e conservação da biodiversidade. Ele é uma chave para desacelerar o desmatamento da Amazônia, por exemplo. Precisamos de mais atividades turísticas que demandam a floresta em pé para que ela seja bem explorada. É uma ferramenta fantástica para gerar impacto positivo e desenvolvimento social”, ressalta Uzeda, do Grupo Cataratas. 

Mesmo assim, os potenciais benefícios não excluem os efeitos negativos. “O turismo gera degradação ambiental de maneira visível, com a destruição da vegetação e o descarte inadequado de lixo, e com impactos menos visíveis, como a alteração do comportamento da fauna e seus hábitos alimentares, alteração dos fluxos migratórios e na dinâmica reprodutiva”, enfatiza Juliano, da UNIRIO. 

Feito corretamente, o setor tem grande potencial para incentivar a economia, a conscientização ambiental e a preservação. Por isso, é fundamental que os órgãos reguladores estejam atentos quanto aos impactos ambientais associados. 

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escrito por
Luana Neves
Luana Neves
É estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estagiária no Nosso Impacto
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Luana Neves
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