10.8.2022

Para proteger a biodiversidade, restauração florestal depende da conservação de áreas nativas

Iniciativas de reflorestamento ganham espaço na agenda de governos e do setor privado, mas o sucesso da prática depende da preservação ambiental

Escrito por
Sabrina Brito
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Imagem de uma barragem no meio de um rio.
Foto:
Jonne Roriz

Em 1500, quando exploradores portugueses chegaram ao litoral da Bahia, a paisagem à vista era a da exuberante Mata Atlântica. Da mesma maneira como a floresta foi a primeira beleza natural a ser contemplada, ela foi o ponto de partida para a derrubada de árvores que deu início ao processo de colonização do Brasil. Ao longo de mais de 520 anos, a mata que ocupava 1,3 milhões de quilômetros quadrados – o equivalente a quase um quinto do território nacional – foi reduzida a uma estimativa entre 12% e 29% de cobertura florestal, a depender do estado da vegetação. Séculos depois da devastação do bioma que abriga cerca de 72% da população brasileira, as consequências se tornaram palpáveis: falta água na região Sudeste, cidades estão mais vulneráveis a enchentes e a biodiversidade enfrenta dificuldades para se recuperar.

Diante de prejuízos socioeconômicos somados à crescente preocupação com a mudança do clima, a restauração de florestas se tornou uma agenda de interesse para empresas e governos. Em uma área reflorestada, animais e microrganismos podem povoar o local, devolvendo a ele parte da biodiversidade original. Além disso, as plantas absorvem dióxido de carbono, gás de efeito estufa vilão do aquecimento global. Ao removê-lo da atmosfera, a vegetação ajuda a mitigar os efeitos da mudança climática.

Ao mesmo tempo em que há benefícios, a recuperação de florestas não equivale a uma compensação simétrica da manutenção e preservação de uma área nativa. De acordo com um estudo publicado no periódico científico Journal of Applied Ecology, produzido por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), a necessidade de investir na conservação das florestas tropicais existentes é indispensável e independe de projetos de recuperação.

Herança milenar

O trabalho dos pesquisadores da UFPR foi conduzido em uma região de Mata Atlântica na costa do Paraná onde há um programa de restauração promovido pela SPVS desde 2000. A área possui cerca de 300 mil hectares com florestas, baías e ilhas. Por meio da análise de imagens, os especialistas concluíram que a melhor gestão de áreas degradadas envolve uma aliança entre conservação e restauração, sendo que esta última costuma ser superestimada: nenhum replantio será capaz de reverter os danos causados.

“A biodiversidade que temos em lugares muito diversos, como a Mata Atlântica e o Cerrado brasileiros, levou milhões de anos para ser acumulada. É resultante de inúmeros fatores geológicos, genéticos e evolutivos. Hoje, nós vivemos a sexta grande extinção em massa de espécies no planeta e a primeira causada pelo homem”, explicou a pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, Marcia Marques.

Para o professor do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Esalq-USP, Sergius Gandolfi, até mesmo a recuperação mais bem feita, com maior critério e gasto de recursos, não será capaz de recuperar a vegetação original. “Pode-se chegar a algo próximo, com retorno da maior parte da biodiversidade, mas isso pode levar séculos para acontecer. A degradação, como queimadas e desmatamento, é instantânea. A restauração demora décadas ou séculos”, afirmou.

Neste sentido, a fiscalização para coibir crimes ambientais é essencial. “O que podemos fazer neste momento é combater os fatores atuais que levam à perda de espécies, tais como a degradação e fragmentação do hábitat, a caça, o tráfico de animais e a extração seletiva de espécies da flora”, disse Marques.

Empregos verdes

À medida que a população mundial cresce, mais pressão é colocada sobre ecossistemas florestais, que perdem espaço para áreas de agropecuária e cultivo de commodities. Estima-se que, globalmente, o mundo perca uma área total de 4,7 milhões de florestas tropicais por ano – o equivalente à área da República Dominicana.

Um exemplo de iniciativa que trabalha pela restauração é a startup canadense FlashForest, que usa drones para replantar árvores de forma dez vezes mais rápida e cinco vezes mais barata do que mãos humanas são capazes. Foi assim que eles espalharam aproximadamente 300 mil sementes pelo país – o objetivo é chegar em um bilhão de árvores até 2028 e, com o tempo, expandir o serviço para outros países, incluindo o Brasil.

Para Gandolfi, um dos entraves para o sucesso dessa técnica é o inevitável desperdício de sementes, pois nem todas vão germinar. “Há também o risco com a morte de plantas que crescem em ritmos diferentes. Para vingar, o processo exige quantidades enormes de sementes, e nunca sabemos se dará certo”, disse.

Em solo nacional, a startup PlantVerd, cuja meta é reduzir o custo do reflorestamento no país, plantou mais de dois milhões de mudas e recuperou 1.428 hectares, o equivalente a mais de 1.300 campos de futebol. A empresa trabalha com obras de contenção de erosão e construção de canais, além de conservação de vegetação em rodovias.

“É preciso ir além. Fortalecer a fiscalização para que as áreas recuperadas sejam corretamente administradas é muito necessário”, diz Antonio Borges, diretor executivo da PlantVerd. “Representamos apenas um passo, ainda que muito importante, rumo ao compromisso ambiental. Mas empresas como a nossa não bastam para construir um futuro verde.”

Em um compromisso global, mais de trinta empresas internacionais anunciaram que vão investir em conservação, restauração e plantio de mais de 3,6 bilhões de árvores em cerca de 66 países. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, mais de 44 trilhões de dólares estão em jogo com a perda de riquezas naturais.

No caso do Brasil, há um compromisso, por meio da Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa, de restaurar 12 milhões de hectares até 2030. Uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica, Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (Pacto), Aliança Pela Restauração na Amazônia e Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura apontou que, além dos benefícios biológicos e geográficos do replantio e do manejo de áreas degradadas, tais investimentos podem resultar na geração de emprego e de renda.

“Além de todos os benefícios ambientais da restauração, há a importância econômica”, declarou o especialista em restauração do WRI Brasil, Julio Alves. “Estudos recentes apontam que restaurar 12 milhões de hectares pode gerar mais de 2,5 milhões de empregos em todo o Brasil, o que mostra um papel fundamental no desenvolvimento de uma economia de baixo carbono nacionalmente”, disse.  

Diversificar, conservar e plantar

No Brasil, a maior parte das iniciativas estão concentradas na região Sudeste, sendo que um terço estão no estado de São Paulo, segundo um levantamento publicado pela revista People and Nature. Políticas públicas podem estimular a prática em todas as regiões, além de fortalecer leis que priorizem combater o desmatamento, sem deixar de lado os esforços para a conservação e manutenção de áreas não degradadas.

Independentemente dos avanços e dos desafios, há um consenso: a recuperação não é uma bala de prata para compensar os últimos séculos de degradação. “Dizer que a restauração é capaz de repor totalmente a biodiversidade de áreas degradadas é uma falácia. A única forma de manter a biodiversidade de uma região é conservando aquele bioma”, explica Carlos Joly, coordenador executivo da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.

A humanidade promoveu a perda de metade dos seis trilhões de árvores que existiam na Terra antes do desenvolvimento da agricultura, há mais de dez mil anos. Ano após ano, aproximadamente mais 15 bilhões são perdidas. Para Marques, autora do estudo da UFPR, há um chamado urgente: “Precisamos de maior consciência sobre as nossas ações, como interagimos com as demais formas de vida, como utilizamos os recursos naturais. Do contrário, não seremos hábeis em entregar um planeta minimamente habitável para as próximas gerações”.

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Sabrina Brito
Sabrina Brito
Jornalista formada pela ECA-USP e graduanda em Direito pela PUC-SP
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